segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A estrada encantada na montanha



Conheço uma estrada na montanha onde todo mundo oferece carona.

Como assim? É isso mesmo. Quando vê alguém andando a pé, o motorista para e oferece carona. Em geral são uns carrinhos velhos, adaptados pra vida na roça, ou então umas caminhonetes onde a carga viaja melhor que os passageiros. Não importa, os motoristas vão te olhar, parar, perguntar onde você vai e caso as direções sejam compatíveis eles te levarão.
Subi a estrada incontáveis vezes e essa lei nunca falhou. Certo dia, sob um sol infernal, parou um senhor de bigodes branquinhos, montado numa pick-up velha. Quando lhe disse onde ia, ele me disse que iria numa outra direção. Coçou a cabeça meio chateado e falou: “Olha, moça, eu não vou pra lá não mas vou perto, vou entrar na rua da escola. A senhora economiza aí um quilômetro e meio”. Aceitei e agradeci silenciosamente cada milímetro poupado.
Percebo que eles não se sentem extraordinários por causa disso. Ajudam no que podem e não pensam muito a respeito. Se perguntássemos, talvez nem soubessem explicar a razão do gesto solidário. Eu os imagino franzindo as sobrancelhas e respondendo: “Fazemos porque esse é o costume. A subida é longa, não tem ônibus, e não nos custa nada ajudar alguém a abreviar o sufoco da viagem”. Fazer algo pelo outro de maneira natural: isso é um tremendo sintoma de cultura de paz. Mas eles não sabem.
Confesso que no começo maldosamente acreditava que a gentileza dos motoristas, quase todos homens, era um mimo que dedicavam somente às moças. Eu estava errada e quem confirmou foi um amigo que também passa longas temporadas naquelas montanhas. “Todas as vezes que passo a pé alguém pára pra me perguntar onde vou. E se não puder me levar, a pessoa se desculpa de um jeito muito sincero e aquilo de algum modo reforça o vínculo. Chato mesmo é quando saio daqui e tenho que reaprender a desconfiar de todo mundo”, desabafou ele.
Ah, sim, como doí desconfiar do outro! E custa caro também. Chaves, cofres, senhas, cercas, muros, trancas, alarmes, “olhos mágicos”, binas, tudo isso são dispositivos que brotaram da desconfiança. A proteção que eles oferecem é apenas ilusória. Cedo ou tarde teremos que enfrentar o fato de que somos vulneráveis. Precisaríamos lembar que solidariedade e compaixão nos tornarão fortes, se estivermos dispostos a praticá-las.
Mas gostamos de nos pensar seguros e auto-suficientes e queremos manter distância segura do outro, a quem supomos perigoso e ameaçador. Passamos pelos vizinhos da rua sem cumprimentar porque não queremos que eles saibam demais sobre nossas vidas. Procuramos nos esconder dos vizinhos do prédio, com medo de que roubem nosso jornal ou reclamem do volume do som que gostamos de ouvir. Achamos estranho que as pessoas puxem conversa na fila do caixa no supermercado. Como elas têm coragem de falar com desconhecidos?
Sua Santidade o Dalai Lama costuma dizer que trata qualquer pessoa como um amigo de longa data. Esta é uma aspiração que eu gosto de ter, porque me parece que a vida é curta demais e certas formalidades e cerimônias bem que poderiam ser atiradas à lata do lixo.
Recentemente comentei com a minha irmã, por email, sobre a “estrada encantada da montanha”, que é como eu costumo chamá-la.
Ela respondeu assim: “Querida irmã, não importa saber onde fica essa estrada, mas sim aprender a construí-la onde quer que a gente esteja”.
Então vamos construí-la e depois, alegremente, viajar por ela!

Carmen Padma Jinpa

Fonte:http://bodisatva.com.br
Foto: Generoso M. Rack

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