terça-feira, 14 de setembro de 2010

A sacerdotisa



Eu fui descendo lentamente, o ar foi ficando insuportávelmente mais pesado, mas denso , a úmidade, os sons indefiníveis, iam orquestrando minhas emoções e aos poucos eu quase me arrependia. Não, nunca, eu jamais poderia conviver com isso, com essa idéia desafiadora em minha mente.

Afinal, quais foram os reais motivos, que me tornaram a pessoa que eu sou, sempre me pareceu inquestionável ser correto, ser honesto, ser alguém equilibrado e bom, mas o que eu não podia aceitar eram os "SE"; E se eu não tivesse tanto medo de falhar, e se eu não tivesse tanto medo de ir além em tudo que eu temia, na verdade nesse tempos de questionamentos tão profundos, eu não tinha mais certeza de nada, eu precisava ir além. Eu precisava saber quem eu era realmente, se minhas escolhas tinham sido baseadas na sabedoria acumulada em tantas vidas, ou se eu apenas era escrava da dualidade, das realidades distorcidas, dos desejos que nem eram meus, de crenças que nunca foram as minhas e afinal eu era apenas um ser medíocre, infeliz e com medo de ser.

Quando me encostava nas paredes, sentia mãos tocando meu corpo e um arrepio percorria minha coluna de alto a baixo, tentei andar mais rápido e logo percebi no final do corredor uma luz muito pálida, no final da escada percebi a água escura, ajoelhei-me, pensei que tudo valeria a pena e orei a meu Eu superior, a Suprema Energia Pai/Mãe para que não me faltasse coragem.

Ergui os braços e gritei chamando o barqueiro, gritei e gritei, as águas se agitaram e um pequeno barco surgiu da escuridão, um ser com o rosto coberto pelo capuz escuro, parecia olhar diretamente nos meus olhos, na minha alma, embora eu não conseguisse ver seu rosto.

Escutei uma voz gelada, mortal que me perguntou porque eu o estava chamando, eu disse que queria descer, ele riu, riu muito e disse que ainda não era a minha vez, que eu ainda era um ser vivo, e que ninguém vivo tinha permissão de descer ao Tártaro.

Eu lhe desafiei e disse que seria não apenas capaz de descer, mas que retornaria e que quando voltasse eu lhe daria o pagamento devido. Ele riu novamente e depois de muita barganha me ameaçou com a ira de Hades, mas eu permaneci irredutível, e finalmente acabei embarcando.

Meu coração gelado não seria capaz de descrever esse momento, muitos sentimentos negativos, todos, os piores, os mais tenebrosos, os inconfessáveis, vinham à minha mente associados a circunstâncias que eu vivera. Um terror, um pânico, quase me fez pular da barca, mais era tarde, não havia possibilidade de retorno, senti algo frio no meu pescoço e percebi que eram lágrimas, e eu chorava como jamais havia conseguido em minha vida.

Quando a barca parou, eu desci numa paisagem aterradora, desolada, tudo era penumbra, vultos, vozes, tudo se confundindo , eu podia ouvir diálogos inteiros de pessoas que pareciam muito distante, as vezes se assemelhava a uma festa, o barulho era ensudecedor agora, pessoas passavam por mim e me ofereciam tudo e nada e eu caminhei entre eles e observei seus rostos.

Não existia luz, nem esperança, nem sonhos, nem carinho, nem amor.

E eu vi os genios do mal, planejando guerras, e todo tipo de maldade e torpeza humana, a corrupção, a vilania, a maldade, a traição, o desamor e tudo no qual os seres humanos se perdem.

Eu chorei e odiei tudo e todos e chorei tanto e mais e então eu me vi em todos aqueles seres, que eram tão humano quanto eu mesma, até que um sentimento de Compaixão por cada um deles tomou conta do meu Eu, que era o eu de cada um deles, vivo dentro de mim.

Meu coração começou a ficar mais tranquilo e uma luz violeta inundou meu coração, depois tornou-se verde, depois rosa e eu encontrei o caminho de volta.

Não me ajoelhei dessa vez, simplesmente bati palmas e o barqueiro surgiu, eu vi os seus olhos assombrados e incrédulos, pisei na barca sem dizer uma palavra, quando percebi as escadas do outro lado me apressei em descer, mas antes, estendi a mão e disse que tinha o pagamento pela travessia. Abaixei-me sem tirar os olhos daquele rosto que jamais esquecerei e lhe pedi a mão; Ele esperou alguns segundos fingindo indiferença, mas estendeu o braço, fechei os olhos e beijei-lhe a palma da mão com todo o amor que meu coração foi capaz de expressar. E então aconteceu algo que eu não poderia imaginar, uma chuva de pétalas de rosas desceu dos céus, perfumada, delicada, suave, e eu vi as lágrimas escorrendo daqueles olhos que estavam vivos naquele momento, reconhecendo sua imortalidade pela primeira vez, a imortalidade do Amor.

Subi sem olhar para trás, caminhei rapidamente, o ar foi refrescando e quando me dei por mim estava novamente na minha cama, com a garganta seca, lágrimas escorrendo pela lateral do meu rosto, inundando meus tímpanos.

A confusão me fez errar o lado da cama e bati com a cabeça na parede, meio desorientada, eu sai do quarto e fui até a cozinha em busca de água, abri a pequena janela e o sol estava nascendo de um lado e a lua se despedia do outro.

E eu comecei a rir, e eu ri muito alto e eu sabia que minha risada era escutada nas profundezas do Universo e muitos seres riram comigo.

Eu tinha mais, muito mais do que muita gente, eu tinha fé e muito além da vida e da morte, eu tinha esse Amor, indescritível, incomensurável, por tudo e por todos.

Voltei para cama, mas já não era mais a sacerdotisa, hoje eu retornei aos meus sonhos como a Imperatriz.

@ngel

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LS

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