quinta-feira, 7 de outubro de 2010

DO DHARMA




Ser ou não ser, eis a questão.
Será mais nobre sofrer na alma
ou pegar em armas contra um
mar de provocações, e,
combatendo-lhe, dar-lhe fim?
Morrer, dormir...
Shakespeare, Hamlet.

Apesar dos diferentes contextos, culturas e situações, o dilema de Hamlet em muito se aproxima do dilema de Arjuna, assim como de todos nós, acerca das escolhas diárias que somos obrigados a fazer. Teria o autor inglês se inspirado na Bhagavad Gita? Ou seria este o drama universal da espécie humana desde o começo de sua existência?

Hamlet, desde seu desepero na tragédia que vive, pensa como um filósofo. Questiona e analisa todas as suas decisões. Questiona a ação do guerreiro com a consciência de um intelectual. Assim como Arjuna, o guerreiro que se vê diante de um impasse quando é obrigado a lutar contra sua família e seu mestre.

Este também é o dilema que todos, me maior ou menor grau, enfrentamos quando representamos os diversos papéis que nos cabem no dia a dia. Não foi à toa que fomos dotados com discernimento, budhi. Foi para que usemos esse discernimento ao nosso favor.

A mente é apenas mais um sentido. Nós temos uma mente, mas não somos a mente. Portanto, o paradigma ocidental cartesiano “Penso, logo existo”, não corresponde à realidade. Eu primeiro existo, depois penso.

O personagem Hamlet diz, em outro momento: “Nada é bom ou mal, a não ser por força do pensamento”. Mais uma semelhança com o pensamento hinduísta contido na Gita, que diz que tanto sucesso quanto fracasso são apenas experiências. Tudo é relativo, depende do observador para existir e este, o observador, não muda. O que muda são os papéis.

Deveríamos ver a vida como uma peça de teatro. Como um jogo. Não é a toa que em inglês, atuar é Não levam os personagens para a sua vida fora do teatro. Assim deveríamos viver a nossa vida, e não nos identificarmos com os personagens que interpretamos. Os problemas não são nossos e sim, dos personagens que representamos.

Não é a toa que em inglês, atuar é “to play”. Os atores interpretam os personagens e depois vão para a casa. Devemos jogar o jogo, fazer o que deve ser feito e seguir em frente, como o ator que vota ao seu lar depois do espetáculo. Mas nos deixamos levar pela mente, nos confundimos e achamos que somos nossos pensamentos.

Não somos nem mente, nem pensamentos. Somos aquele que pensa os pensamentos. Não somos nossos corpos. Somos aquele que se relaciona através de um corpo. Mais um trecho de Shakespeare que se aproxima do pensamento hinduísta:

O ser grande não é se empenhar em grandes causas.

Grande é quem luta até por uma palha quando a honra está em jogo.

Na Gita, Krishna ensina que não há trabalhos maiores ou melhores. É mais nobre cumprir seu próprio destino, por menos glamuroso que ele possa parecer, do que tentar cumprir o destino do outro. Agir de acordo com o dharma é fazer o que tem que ser feito.

Fazer cada pequena ação, por mais simples que ela possa parecer, como se fosse a coisa mais importante do mundo. Porque é a coisa mais importante do mundo! A ação correta é aquela feita com todo amor e dedicação possível. Fazer tudo como se fosse uma oferenda.

Há uma estória sobre um vilarejo na India que foi inundado pelas monções. Milhares de pessoas perderam suas casas e a situação era desesperadora. Como eram muito pobres, as famílias que não ficaram desabrigadas, não podiam resolver um problema daquela dimensão.

Mas quando cada um guardou um pouco do que não precisava e deu para os desabrigados, o pouco de cada um virou muito e o problema foi resolvido e todos contribuíram para restaurar o dharma, a ordem, a vida daquela vila. Mais Shakespeare:

As ações más, embora a terra as cubra,

não se subtraem aos olhos dos mortais.

Cada ação corresponde a uma reação de igual proporção. Por mais que seja possível fraudar, enganar, roubar, matar e sair inocente, tudo fica inscrito neste texto que é a nossa vida. Isto é matemático. Não é uma questão de fé e sim, de cognição.

Assim como o fato de que cada pequeno gesto meu interfere no todo com uma força enorme. Portanto, é apenas desculpa esfarrapada não reciclar seu lixo e outras simples e cotidianas atitudes que visam diminuir a sujeira, e a poluição que cada um de nós causa ao meio ambiente.

Não há desculpas para não agir com consciência, porque está comprovado que só existe o Um. Se o todo está ficando uma sujeira e uma porcaria é por responsabilidade de cada um de nós. Ou somos todos sujeira e porcaria?

Devemos ver as situações com uma lente macro, e abrir a perspectiva, ao invés de nos fecharmos em nossas pequenas necessidades e caprichos. Portanto, não podemos ser apenas contribuintes, no sentido de pagar nossos impostos e votar de vez em quando. Devemos ser contribuidores!

Como disse o filósofo Schopenhauer, a raiz da ética é a empatia. Viver de acordo com o dharma é simplesmente fazer as ações que visam o bem comum. Quando minhas ações deixarem de ser reativas e passarem a ser pautadas pelo discernimento, esta será a ação correta. E ação correta é dharma. Namaste!




Tereza Freire - 06 de Outubro de 2010
Fonte:
http://www.yoga.pro.br

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