sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Viver a vida infantilmente


Sempre gostei das novelas do Manoel Carlos porque elas são realistas, mas esse começo de Viver a Vida me surpreendeu. Parece Malhação, ou o que eu imagino que seja Malhação.
Alguns personagens correm pela casa uns atrás dos outros como se tivessem 11 anos de idade, incluindo aí dois irmãos marmanjos, um médico e um arquiteto. Há também um marido cafajeste que, dia desses, foi perseguido feito um peru em véspera de Natal por uma Maria Luiza Mendonça armada com um taco de golfe, furiosa por causa de uma batida de carro. Esse mesmo cafajeste assedia a prima da própria esposa, e as cenas em que consegue "pegá-la" tem um clima de Zorra Total. A Helena da vez, personagem símbolo da força feminina, só falta colocar o dedinho na boca e dizer gugu-dadá. Aliás, ela e José Mayer andando de carrossel em Paris foi muito meigo. Lilia Cabral, que é a atriz estupenda que todos sabem, está encarnando uma mulher que não tolera nem 5 minutos de solidão e não descansa enquanto não der o troco no marido que a largou. Aline Moraes não caminha: saltita. As ruas de Búzios viraram um parque de diversões, todo mundo anda de conversível com os braços pra cima, como se estivessem numa montanha-russa. As imagens são lindas, mas esse é o retrato do mundo adulto?
Sei que vem tragédia e sofrimento pela frente, mas, por enquanto, o cotidiano da novela é rosa bebê. Todas as personagens femininas, quando se reúnem, parecem que estão num chá de fraldas. Exceção para a personagem da atriz Lica Oliveira, que faz a charmosa mãe da Helena e que demonstra ter abandonado faz tempo o jardim de infância, esbanjando bom senso e elegância.
Pra entender um pouco essa infantilização, resgatei da memória o ótimo filme Little Children, com Kate Winslet, que mostra o quanto somos todos crianças grandes, apavoradas com as escolhas que precisamos fazer na vida. Evoluimos até mais ou menos os 16 anos, e depois somos convocados a desempenhar o papel de adultos, e a maioria de nós se sai tão bem que a gente até acredita que exista mesmo algo chamado maturidade.
Até pouco tempo, parecíamos mesmo mais adultos. Pais e filhos não se vestiam de forma parecida, as conversas de gente grande não giravam em torno de fofocas, as relações amorosas não eram vividas com leviandade, não se buscava a juventude a qualquer custo, não havia tantos brinquedinhos tecnológicos, tantas perguntas sem resposta, tudo era mais sério e os papéis mais bem definidos: crianças e adolescentes tinham o direito a aventuras e vacilos, e aos adultos cabia colocar ordem no galinheiro. Hoje tenho a impressão que estamos todos com a mesma idade, o mesmo espírito juvenil, a mesma ansiedade e a mesma irresponsabilidade, como se tivéssemos descoberto a pólvora: só os imaturos sabem viver a vida! Ser adulto virou sinônimo de chato.
Manoel Carlos está com 76 anos, e se é verdade que na terceira idade nos aproximamos da primeira, então faz todo sentido valorizar muxoxos, beicinhos, chiliques, briguinha de irmãs, deslumbramentos, gritinhos, flertes pra tudo que é lado. Paris é uma festa, Búzios é a Disneylândia, e o sofrimento não passa de um "ai de mim". Ou seja, o autor segue mais realista do que nunca, escancarando a infantilidade de hoje ao mostrar personagens que não atuam como gente crescida, e sim mantém sua alma espontânea de criança, como normalmente faríamos se não tivéssemos que pagar contas, administrar amores, criar filhos, essas coisas sensatas que nos prendem ao chão e nos impedem de fazer o que gostaríamos mesmo, que é correr atrás de quem nos enerva com um taco de golfe na mão.

Martha Medeiros

Fonte:
http://www.clicrbs.com.br/blog

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